O Meio Ambiente e a Urbanização Periférica: Um Desafio Para o Equilíbrio Sustentável

18 de dezembro de 2024
Por Gabriel Cordeiro

O desafio do equilíbrio sustentável nos processos de urbanização periférica (CALDEIRA, 2017) surge contíguo ao desenvolvimento da ciência do urbanismo. Durante o século XIX, com a Revolução Industrial, a oferta de empregos nas fábricas e a busca por melhores condições de vida levaram ao êxodo rural. Esse fenômeno resultou em um processo de urbanização acelerado, caracterizado pela densificação das cidades. O alto fluxo de pessoas para os centros urbanos sobrecarregou as infraestruturas existentes, que não estavam preparadas para acomodar tal contingente populacional, produzindo processos de ocupação desenfreados e em áreas pouco adequadas. Dessa forma, tornou-se evidente a necessidade de uma ciência capaz de planejar e estruturar as cidades, organizando o caos urbano gerado por essa expansão descontrolada.

“Para um estudo detalhado, é preciso analisar as particularidades dos assentamentos informais, caso a caso, considerando os seus contextos históricos, sociais, políticos e geográficos.”

No contexto brasileiro e de muitos outros países subdesenvolvidos, com a industrialização tardia, o pico de crescimento populacional ocorreu entre a década de 1970 e 1980 (IBGE, 2023) onde o número de favelas aumentou em 23% em relação às décadas anteriores (PEGURIER, 2005), evidenciando o crescimento urbano desenfreado e o processo de urbanização periférica latente no país.

A partir da compreensão histórica sobre os processos que deram origem à urbanização periférica, é preciso reconhecer que a análise que se dará adiante aborda a urbanização periférica de forma geral, tendo em vista o formato de publicação, sem um objeto de estudo específico.

Cidades, Desigualdade e Risco

A desigualdade social nas cidades é o fator central para o processo de urbanização periférica. Os grandes centros urbanos concentram oportunidades de trabalho, serviços, saúde, educação e lazer, e indivíduos em busca de melhores condições de vida tendem a se aproximar desses recursos. Contudo, o alto custo do solo urbano nas áreas centrais impede que as populações de baixa renda residam nesses locais. Em consequência, essas populações, que necessitam acessar os serviços urbanos, acabam por se concentrar nas periferias, em áreas com menor valor de terra e mais distantes dos centros urbanos.

Esse fenômeno imobiliário favorece a formação de grandes favelas, especialmente no Brasil, onde, por meio do aglomerado de pequenos “grãos”, surge um organismo socialmente e culturalmente dinâmico, mas marcado por uma organização desigual.

Seguindo a lógica do mercado imobiliário sobre o valor da terra urbana, a ocupação de baixo custo e próxima a cidade se dá, por muitas vezes, próximas a áreas que oferecem risco à ocupação humana. São exemplos frequentes a ocupação irregular em áreas propensas a alagamento e escorregamento de terra, revelando o conflito entre o meio ambiente e a urbanização periférica.

Maria Carolina de Jesus, moradora da extinta favela do Canindé, em São Paulo, reuniu em seu livro “Quarto de despejo: Diário de uma favelada” diversos diários escritos entre 15 de julho de 1955 e 1 de janeiro de 1960, onde descreve a vida de precariedades que vivia na periferia paulistana. É interessante expor um dos depoimentos da autora ao longo do texto, que demonstra a ocupação periférica às margens do Rio Tietê, mostrando o desafio entre o acesso à habitação e o meio ambiente:

“… Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerado marginais”. (Jesus, 1960/2007, p. 55)

Maria Carolina de Jesus é um símbolo da resistência negra e periférica diante da necessidade de ocupação de áreas precárias, para a sobrevivência.

O fato é que a alta demanda populacional e o meio ambiente coexistem: a população e a cidade crescem, os indivíduos precisam de habitação, e o meio ambiente precisa ser preservado. Dentro dessa perspectiva, identificam-se como obstáculos para o equilíbrio sustentável entre esses dois elementos: a dificuldade de preservação dos recursos naturais frente a áreas que já foram adensadas, bem como a produção, pelo Estado, de medidas diretas para a resolução do problema da habitação.

Enquanto os indivíduos não tiverem acesso à habitação plena, em locais sem riscos ambientais, a ocupação informal em áreas que prejudicam a dinâmica do meio ambiente continuará existindo, pelos fatores econômicos supracitados. Portanto, ainda que o problema da habitação em áreas de preservação e risco ambiental envolva muitas camadas de análise e não tenha uma fórmula mágica para a sua superação, é possível afirmar que o desafio para o equilíbrio sustentável na urbanização periférica está relacionado à melhoria das políticas públicas de acesso à habitação, sendo que, para a ONU, o direito à habitação não diz respeito apenas à habitabilidade, mas também ao acesso à infraestrutura, à localização que possibilite o acesso ao emprego, serviços, equipamentos, preços acessíveis, adequação cultural, segurança nos direitos de propriedade e acessibilidade a todos os grupos sociais (UNITED NATIONS, 1991).

Referências:

CALDEIRA, T. P. Peripheral urbanization: Autoconstruction, transversal logics, and politics in cities of the global south. Environment and Planning D: Society and Space, v. 35, n. 1, p. 3–20, 26 jul. 2017.

IBGE. Brasil: 500 anos de povoamento | estatísticas do povoamento | evolução da população brasileira. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/evolucao-da-populacao-brasileira.html. Acesso em: 6 dez. 2024.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo – diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves, 1960.

PEGURIER, E. Favelas, hora de dar a volta por cima – ((o))eco. Disponível em: https://oeco.org.br/colunas/17154-oeco-14575/. Acesso em: 6 dez. 2024.

UNITED NATIONS. Committee on Economic, Social and Cultural Rights. General Comment Nº 04: The Right To Adequate Housing (Art. 11, Para. 1). Geneva, 1991. Disponível em: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/469f4d91a9378221c12563ed0053547e. Acesso em: 6 dez. 2024.

Mais insights

Nosso principal propósito é transformar sustentabilidade em um diferencial competitivo do seu negócio.

Quer receber nossos insights exclusivos sobre sustentabilidade diretamente no seu email?
Inscreva-se na nossa newsletter

Sustentabilidade
estratégica.
© 2025 Ecominas. Todos os direitos reservados.

Obrigado! Em breve você receberá o orçamento pelo email informado.